(Re)construindo Conceitos – Equacionamento de Déficit

Compartilhe:
Pin Share

Nesse meu primeiro Editorial, gostaria de levantar a questão do Equacionamento do Déficit nos Planos de Previdência Complementar de Entidades Fechadas, cuja modalidade é a de Benefícios Definidos.

Entendo que haja um distanciamento entre a legislação vigente (em 03/2017) e os conceitos da Ciência Atuarial. Se a maioria dos Planos foram desenhados e criados a partir da Lei n.º 6.435/1977, obviamente, que as principais hipóteses atuariais (Tábuas de Mortalidade/Sobrevivência, Projeção de Crescimento Real de Salário e Taxa Real de Juros/Descontos) mudaram muito desde então. O nível de sobrevivência cresceu substancialmente, tanto dos participantes válidos como dos inválidos; no cenário econômico, os empregados/participantes também vêm sendo mais bem remunerados, e o retorno dos investimentos já não é o mesmo de outrora. Se a taxa real de juros/descontos (rentabilidade líquida da meta atuarial) era facilmente superada pela gestão de investimentos das Entidades, atualmente, tem sido desafiador o alcance dessa meta. Diante desses fatores, veio o aumento das Provisões Matemáticas dos Planos, o que em muitas vezes têm resultado em Déficit Técnico Acumulado.

Nesse contexto, se o bom retorno dos investimentos do passado foi suficiente, por muito tempo, para arcar com o aumento das Provisões Matemáticas, relativo às constantes mudanças das referidas hipóteses, o que restou para suavizar (ou reverter) o Resultado Deficitário dos Planos, seria a revisão de seu Plano de Custeio.

Sem entrar no mérito do cálculo do Limite de Déficit para se iniciar um Plano de Equacionamento, a Resolução CGPC 26/2008 (e suas alterações) estabelece, dentre outras, as seguintes formas de equacionamento:

I – aumento do valor das contribuições (normais);

II – instituição de contribuição adicional (extraordinária);

III – redução do valor dos benefícios a conceder; e

IV – outras formas estipuladas no regulamento do plano de benefícios.

E a Resolução CGPC 18/2006 (e suas alterações) estabelece o prazo para a amortização do Plano de Equacionamento, quando este se der por meio de contribuições que não sejam as relativas à contribuição normal.

Novamente, o objetivo desse Editorial não é realizar qualquer tipo de análise sobre o conservadorismo ou prudência acerca do prazo de amortização do Déficit, levando em consideração os resultados do Estudo de ALM (Asset Liability Management) – utilizado para a política de investimentos da Entidade, mas tão somente questionar tal prazo sob a ótica do conceito atuarial, pressupondo a boa prática na gestão dos investimentos.

Então, se a contribuição normal é realizada por prazo indeterminado (vitaliciamente) e a legislação em vigor permite seu aumento para a redução parcial ou integral do Déficit, por que a contribuição adicional (extraordinária) teria a existência de um prazo?

Não obstante, já existe entendimento da Previc (Brasília) que se o regime financeiro da avaliação atuarial for o de Capitalização na versão método Agregado, em que o Plano de Custeio é revisto anualmente, o Déficit Técnico Acumulado poderia ser revertido através do aumento da contribuição normal de seus integrantes. Isto faria com que o Resultado Técnico do Plano dependesse da revisão anual do Plano de Custeio (das contribuições normais), o que significaria dizer que, o Resultado Técnico estaria sendo controlado dentro de um prazo indeterminado.

Indo mais além, como considerar a contribuição normal realizada pelos assistidos, e sua eventual contrapartida do patrocinador, na apuração das responsabilidades (proporção contributiva) para o equacionamento de déficit, se eles não participam do Custeio do Plano (período de acumulação de recursos para posterior pagamento de benefícios)?

No estabelecimento das Contribuições Normais Originais, o Custeio de um Plano de Benefícios Definidos é, em realidade, atribuído à contribuição dos participantes ativos e à respectiva contrapartida do Patrocinador, já que as contribuições dos Assistidos (Aposentados / Pensionistas) funcionam, a rigor, como uma redução no nível de benefícios a serem recebidos por eles.

Nesse contexto, as contribuições normais realizadas após a fase de concessão funcionam como uma redução de custos, já que são realizados pagamentos de benefícios com a mencionada dedução da contribuição, o que, também, reduz as Provisões Matemáticas.

Outra figura importante no cenário de equacionamento de déficit é o Autopatrocinado. Este não deveria ser considerado na apuração da proporção contributiva. Por quê? Porque se estaria aumentando a responsabilidade dos participantes em relação ao patrocinador, e não fazendo qualquer diferença para o autopatrocinado, que contribui com as duas partes. Por exemplo, se um Plano possui contribuição normal paritária entre participantes e patrocinador, mesmo havendo autopatrocinados, a proporção contributiva não é de 50% para cada um? O Custeio apresentado nas Demonstrações Atuariais (DA) não é idêntico aos dois? Portanto, como o autopatrocinado já representa a responsabilidade do Patrocinador consigo mesmo, ele não deveria ser considerado em uma eventual proporção contributiva. Tal apuração deveria ser feita somente em relação aos participantes que recebem a contrapartida patronal, porque essa é a definição de responsabilidade no Custeio do Plano, assim que o participante realiza sua adesão.

Dessa forma, se, em determinado Plano, o Patrocinador realiza contribuições normais somente em contrapartida aos participantes ativos, introduzir um aumento da contribuição normal para todos (Participantes / Assistidos / Patrocinador), significaria reduzir a responsabilidade do Patrocinador em relação ao Déficit existente, o que analogamente ocorreria se fosse apurada a proporção contributiva desses três integrantes do Plano. Além disso, considerando que é comum os pensionistas assistidos não realizarem contribuição normal, então, eles também não participariam do equacionamento do déficit, em um eventual aumento da referida contribuição.

Logo, em minha opinião, deveríamos apurar a proporção contributiva somente por quem tem responsabilidade pelo Custeio, ou seja, os participantes ativos e o patrocinador. Isto posto, como os assistidos são os antigos participantes ativos, ou beneficiários deles, o patrocinador, mesmo que não realize contribuição normal em contrapartida aos assistidos, teria a mesma responsabilidade para com eles, ao serem implementadas contribuições adicionais (extraordinárias) para fins de equacionamento de déficit. Assim, a responsabilidade do Patrocinador seria a mesma tanto com os participantes ativos quanto com os assistidos, no equacionamento do déficit.

Diante do exposto, minha conclusão seria pela introdução das contribuições adicionais (extraordinárias), em que a responsabilidade do Patrocinador fosse compartilhada identicamente entre os participantes ativos e os assistidos (inclusive pensionistas), sendo essa responsabilidade apurada através da proporção contributiva observada no período anterior ao da concessão de benefícios, desconsiderando os autopatrocinados. Assim, se calcularia um mesmo percentual de contribuição extraordinária aos participantes e assistidos, cabendo ao patrocinador um percentual, proporcional a sua reponsabilidade, em contrapartida aos referidos integrantes do Plano. Como nosso objetivo é aplicar a mais adequada lógica atuarial, todo Equacionamento de Déficit deveria utilizar os mesmos princípios do regime financeiro de Capitalização na versão método Agregado, onde o prazo de sua amortização ocorreria por tempo indeterminado, ou seja, enquanto perdurasse o Déficit Equacionado, registrado em Provisão Matemática a Constituir, subdividida pelo conjunto dos Participantes / Assistidos de um lado e pelo Patrocinador do outro, sendo tais percentuais relativos à contribuição extraordinária revistos a cada reavaliação atuarial em intervalos não superiores a 1 (um) ano. Dessa forma, não existiria mais de um Plano de Equacionamento e a avaliação atuarial anual apresentaria Resultado Técnico igual a 0 (zero), já que, com tais revisões contributivas, o saldo do Déficit Equacionado aumentaria ou reduziria de acordo com o resultado negativo ou positivo do exercício, respectivamente, mantendo-se permanentemente o equilíbrio atuarial de um Plano de Benefícios Definidos.

 

Autores: Rafael El Mansoura C. da Costa e José Roberto Montello.

3 Comentários

  1. 26 de junho de 2017 at 11:19

    Parabéns à Equipe da Jesse Montello pela iniciativa da reflexão de um tema em que se observa um grande distanciamento entre a legislação e a técnica atuarial.
    Espero que os nossos órgãos reguladores do sistema passem a olhar para o assunto tendo como base os conceitos preconizados por esse Editorial.

  2. prandi-Reply
    29 de junho de 2017 at 20:12

    Conceitos! Ele é que importa. Molda-los aos nossos interesses é a pior forma de “admitir” que resolvermos os problemas. Assim como o aço, torcer, contorcer, destorcer, dobrar, resulta em fadiga que culmina com a quebra, portanto, o correto é primarmos pela integridade conceitual, sua aplicação sem atendimento dos “oportunismos”.
    O que temos para hoje é a deterioração dos fundamentos, jovens, inexperientes, alicerçadas em crenças próprias, pouca bagagem histórica, veem os problemas de hoje como produtos de inabilidades passadas. Certamente, para quem viveu a inflação que somente os “antigos” viram nesse pais, e sobreviveram as incertezas dos modelos importados, quando aproveitaram para topicaliza-los visando atender a realidade desconhecida do mundo, possuem a convicção que somente a fidelidade aos conceitos garantem a evolução.
    Parabéns pelo momento de reflexão.

  3. Edson-Reply
    7 de dezembro de 2018 at 16:39

    Parabéns pelo ótimo entendimento do assunto, tendo em vista que a atual legislação está distante dos conceitos atuariais.

Faça um Comentário

Powered by themekiller.com anime4online.com animextoon.com apk4phone.com tengag.com moviekillers.com