Uma interpretação equivocada tanto do ponto de vista jurídico quanto atuarial tem gerado preocupação dos especialistas em assuntos jurídicos dos fundos de pensão, por conta da decisão do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST), órgão do Ministério do Planejamento, que determina às empresas estatais federais, patrocinadoras de planos de benefícios, não fazerem aportes de recursos de forma paritária no caso de pensionistas. O entendimento, baseado em posição do Tribunal de Contas da União (TCU), considera apenas os participantes ativos e os assistidos como figuras válidas para fins de aportes paritários. “O posicionamento do TCU, que foi incorporado pelo DEST, é absolutamente equivocado e está fundado em um equívoco conceitual que inspira preocupação pela delicadeza do momento que se vive, podendo ter graves consequências”, analisa o advogado Flávio Rodrigues, do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados.
O equívoco está baseado na interpretação do art. 202, parágrafo 3º, da Constituição Federal, segundo o qual a paridade obedeceria apenas às contribuições dos segurados: § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998). De acordo com a interpretação que está sendo dada a esse comando legal, explica Rodrigues, o pensionista não seria um segurado porque ele recebe um seguro que alguém pagou por ele, mas, no regime de capitalização da previdência complementar privada, a reserva deve estar totalmente constituída e, portanto, quando ela não está totalmente constituída, cabe ao pensionista continuar fazendo as contribuições”. O que tende a gerar uma interpretação restritiva para planos de benefícios que foram contratados da mesma forma há décadas, e que irá certamente produzir questionamentos. O equívoco, acredita Rodrigues, “foi consequência do ambiente criado em torno dos fundos de pensão estatais e ao pressuposto de que haveria má gestão dos recursos desses planos, levando à adoção de uma visão equivocada da lei”.
Os planos de benefícios da previdência complementar têm como objetivo estruturar a possibilidade de sustento do contribuinte e dos familiares pelos quais ele tem responsabilidade, uma premissa que integra os contratos feitos entre os participantes e os planos. “Essa garantia de sustento alcança não apenas o participante ativo mas também os aposentados e pensionistas, por meio da cobertura de riscos de longevidade ou de infortúnios de invalidez ou morte”, lembra o advogado Roberto Messina. Contrariando essa realidade, a consultoria jurídica do DEST considera que há posições divergentes entre a Previc e o TCU porque a paridade não caberia aos pensionistas, com base no art. 202 da Constituição Federal. A interpretação dada a esse ponto da Constituição é reforçada ainda por outro equívoco, desta vez ligado à Lei Complementar 108.
Literalidade – “O entendimento do TCU e do Planejamento está em desarmonia conceitual com a Lei Complementar 108”, reforça o advogado Maurício Tôrres, do escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia. “Tal entendimento está preso a uma literalidade de interpretação em relação a um comando específico da legislação, o do parágrafo primeiro do art. 6º da LC 108, relativo ao custeio dos planos de benefícios”, afirma Torres. Diz o Art. 6º: O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos. Em seu parágrafo primeiro, entretanto, a lei determina: A contribuição normal do patrocinador para plano de benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante, observado o disposto no art. 5o da Ememnda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998, e as regras específicas emanadas do órgão regulador e fiscalizador. O problema é que o entendimento do TCU está restrito a esse parágrafo, ignorando o caput do próprio art. 6º , explicam os especialistas.
Dois pesos e duas medidas – O participante tem que ser compreendido como o gênero, sendo o assistido a espécie – em cujo conceito esta claramente incluído o pensionista -, enfatiza o advogado Adacir Reis. Conforme, aliás, reforçam não só o caput do art. 6º da LC 108 mas também a LC 109 em seu art. 24º, relativo à divulgação de informações, e a mesma LC 109 em seu art. 8º, ao definir os termos participante e assistido, que inclui o seu beneficiário, observa Reis. Diz a LC 109 em seu art. 8º: Para efeito desta Lei Complementar, considera-se: I – participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e II – assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.
Segundo o art. 24º da mesma lei, “A divulgação aos participantes, inclusive aos assistidos, das informações pertinentes aos planos de benefícios dar-se-á ao menos uma vez ao ano, na forma, nos prazos e pelos meios estabelecidos pelo órgão regulador e fiscalizador”.
“Não pode haver dois pesos e duas medidas, é preciso que haja uma interpretação sistemática das leis complementares 108 e 109 e não que seja pinçado um parágrafo específico de um comando”, afirma Reis. Nesse sentido, a interpretação literal dada pelo TCU a esse único comando legal não pode prosperar, entendem Adacir Reis e Maurício Torres.
Além do equívoco jurídico, há uma percepção atuarial equivocada de custo para a patrocinadora, argumenta Reis. “A questão ganha relevância porque leva em conta que o assistido vai continuar a contribuir mesmo em gozo de benefício, mas do ponto de vista da modelagem do plano, conforme foi destacado pela Previc em seu parecer, o custo atuarial seria o mesmo”. A paridade nesse caso não adiciona custos para a patrocinadora porque haverá apenas uma subdivisão de custos entre assistidos e pensionistas, que será diluída no tempo, então não há razão para excluir o pensionista.
Relação contratual ignorada – Ao excluir o pensionista, essa interpretação esquece que o sistema é regulado pela LC 109, adverte Roberto Messina. “ A LC 108 tem abrangência menor e específica para a realidade das empresas públicas, mas não altera conceitos, apenas traz características adicionais à 109”. Não é, portanto, competência material da LC 108 regular o sistema. Messina também sublinha a importância do art. 8º da LC 109, que evidencia claramente a abrangência de cobertura para as três figuras previstas nos planos – participantes, assistidos e beneficiários. “O TCU não está enxergando, com esse posicionamento, qual é o caráter contratual dessa relação previdenciária, que está prevista na Constituição e nos regulamentos dos planos de custeio das Entidades Fechadas de Previdência Complementar”, alerta Messina. Para o advogado, não é possível dar uma interpretação nova e sem base, ignorando o caráter contratual e o objetivo de proteção contido nessas relações, que é um direito adquirido. “Isso não pode ocorrer com as contribuições normais nem com as extraordinárias, deve ser observada a paridade contributiva; caso contrário isso significaria romper o contrato de proteção ao participante e seus pensionistas, numa rescisão unilateral”, afirma Messina.
Além disso ele lembra que, para fazer frente à diferença dos recursos aportados, uma parcela da população do plano teria que contribuir em dobro. Essas pessoas poderão decidir não aceitar e questionar judicialmente a medida, fazendo com que os demais sejam obrigados a pagar a sua parte. “Isso provocaria um rearranjo não previsto do equilíbrio dessas relações, enquanto a União estaria abandonando os pensionistas finais à sua própria sorte, tudo isso num plano que é mutualista”, pondera Messina.
Esforço de esclarecimento – As consequências desse entendimento equivocado, acredita Flávio Rodrigues, poderão ser graves e é preciso, portanto, que o sistema de fundos de pensão faça um esforço de esclarecimento e de informação junto ao TCU e à administração pública federal. Ao diminuir o parâmetro da paridade, essa decisão significa que irá faltar dinheiro para cobrir os compromissos com os pensionistas em contratos que foram celebrados dessa forma há dezenas de anos, até 50 anos atrás. “É fundamental que o sistema busque esclarecer institucionalmente o DEST e o TCU sobre o equívoco e o impacto que poderá advir disso”, avalia Rodrigues.
Ao mesmo tempo que o DEST não autoriza a paridade para os pensionistas, a Previc acertadamente pensa diferente e defende a paridade, observa Messina. Ele lembra que os planos não têm de onde tirar a diferença de recursos para cumprir seus compromissos e destaca que os princípios da especialidade, da legalidade e da segurança jurídica não admitem que a supervisão das patrocinadoras crie ou interprete livremente conceitos de previdência complementar que não são de sua área. Na avaliação de Messina, não é competência do DEST interferir nesse tipo de ação de supervisão e caberá à sociedade civil fazer um esforço para reverter a medida, “até porque isso fere de morte a credibilidade do sistema”.
(ABRAPP)

Um Comentário
E tem Fundação que não cobra contribuição normal e nem extraordinária do pensionista (beneficiário).